Realmente, eles dois formavam um casal pitoresco: ele - Betão, um metro e noventa, Cento e dois quilos, ela
Suely, um metro e quarenta e oito, cinqüenta quilos.
Suely, um metro e quarenta e oito, cinqüenta quilos.
Moradores do Morro do Salgueiro e muito queridos por todos, o casal era um exemplo de felicidade e união.
Betão, urn verdadeiro urso pardo, possuía um corpo respeitável. Tipo gordo socado, esticado, peludo (tinha
tanto cabelo no peito, que alguns pensavam que ele usava um suéter de lã), força descomunal e patas (digo mãos) enormes.
tanto cabelo no peito, que alguns pensavam que ele usava um suéter de lã), força descomunal e patas (digo mãos) enormes.
Para se ter una idéia melhor do potencial que Betão tinha nas mãos, era só vê-lo nos desfiles da sua escola de
samba, onde era destaque num grupo de cinco rapazes que faziam evoluções com pandeiros, rodando-os no dedo,
jogando-os para o alto, etc. Pois bem, Betão fazia tudo isso com um bumbo.
samba, onde era destaque num grupo de cinco rapazes que faziam evoluções com pandeiros, rodando-os no dedo,
jogando-os para o alto, etc. Pois bem, Betão fazia tudo isso com um bumbo.
Seu temperamento era difícil de se compreender, pois, num mesmo instante, Betão era uma criança grande,
alegre e brincalhona, mas se pisassem seus calos, nem três HULKS juntos o seguravam.
alegre e brincalhona, mas se pisassem seus calos, nem três HULKS juntos o seguravam.
O ciúme por Suely era, sem sombra de dúvidas, o seu ponto negativo. Por causa dela, Betão fazia inimigos, perdia amigos e quando extravasava sua ignorância, os prejuízos eram grandes.
Certa ocasião, estava sentado em um bar com Suely, vestida com uma destas sainhas curtinhas, que levou o
casal a uma discussão de duas horas:
casal a uma discussão de duas horas:
- Tu não vai botar essa indecência, gritou Betão.
- Vou sim, é moda, repeliu Suely. Afinal de contas, tu se garante, ou não?
Betão cedeu, mas não concedeu.
Foram, então, para o bar. Ela bebia, ria, falava com todos, mas não se levantava; Betão, cara emburrada, des-
confiado até de olhar de padre, segurava-a pelo braço.
Foram, então, para o bar. Ela bebia, ria, falava com todos, mas não se levantava; Betão, cara emburrada, des-
confiado até de olhar de padre, segurava-a pelo braço.
Em certo momento, a moça falou-lhe ao ouvido, levantou-se e foi ao banheiro.
Betão vasculhava todos os cantos com seu olhar penetrante como faróis de aeroporto.
No instante em que Suely voltava, Dondinho, mestre-s ala e amigo dos tempos de pipa de Betão, entrou no
bar sedento por urna cervejinha gelada, e exclamou:
bar sedento por urna cervejinha gelada, e exclamou:
- Uma mini-saia bem gostosa!
Dondinho não teve tempo nem para sorrir; Betão desferiu-lhe um soco na boca com tamanha violência, que urna das pás do ventilador do teto quebrou com o impacto de um dos molares do mestre- sala.
Dondinho não teve tempo nem para sorrir; Betão desferiu-lhe um soco na boca com tamanha violência, que urna das pás do ventilador do teto quebrou com o impacto de um dos molares do mestre- sala.
Suely, envergonhada, saiu chorando com cara de telenovela. Voltou ao barraco, arrumou suas coisas na mala e
ameaçou voltar para a casa da mãe, em Vila Kennedy.
ameaçou voltar para a casa da mãe, em Vila Kennedy.
Nosso amigo urso ficou desfigurado, não podia perder aquela mulher que tanto amava. A cena, presenciada
por mais de cem pessoas, foi chocante:
por mais de cem pessoas, foi chocante:
Betão ajoelhado, agarrado aos tornozelos de Suely, implorava o seu perdão.
A platéia aplaudia entusiasmada ao ver o "Golias" submisso a "David".
A platéia aplaudia entusiasmada ao ver o "Golias" submisso a "David".
A força do amor derrubou o Betão, quando a Suely disse-lhe que não poderia ficar nervosa, pois estava grávida.
Betão chorou, sorriu, deu cambalhotas, pegou seu trinta-e-oito, deu vários tiros para o ar, enfun, a idéia de
ser pai tomou conta de todas as células (que eram muitas) do corpo daquele "homão",
ser pai tomou conta de todas as células (que eram muitas) do corpo daquele "homão",
Betão virou um cordeiro. Aquelas mãos enormes, agora, varriam o barraco, lavavam roupas, decoravam o quar-
tinho cor-de-rosa do neném ...
tinho cor-de-rosa do neném ...
Os inimigos o provocavam, mas agora, Betão não revidava, abaixava a cabeça e saía de fininho.
Seu. gênio estava curado, pensou até em ser pastor e construir uma igrejinha no morro.
Mudou de emprego (era estivador) e foi trabalhar na Telerj. Pediram-lhe vários exames e, num deles, surgiu a desgraça de sua nova vida: o médico constatou que Betão era estéril.
- Não pode ser seu doutô, minha mulher vai ter um filho!
- Tudo bem, Sr. Roberto, ela não é estéril- disse o doutor.
- Quer dizer que, então ... , mas como?
Betão "arrancou" a porta do consultório e saiu.
O Urso voltou ao Salgueiro.
Quem passar hoje pela Praça SaensPeña verá, junto à obra do Metrô, um barraco de janelas azuis e um ,quar·
tinho cor-de-rosa, e todos da redondeza contarão:
tinho cor-de-rosa, e todos da redondeza contarão:
- Dizem, acho que é lenda, que viveu naquele morro um urso pardo, com chifres enormes, que num mo-
mento de ira deu um pontapé no seu barraco com tanta força que veio cair aqui.
mento de ira deu um pontapé no seu barraco com tanta força que veio cair aqui.
Deve ser, realmente, uma lenda, vocês não acham?
Nelson Portugal
@Nerdanderthal
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