sexta-feira, 1 de julho de 2011

O URSO CHIFRUDO




Realmente, eles dois formavam um casal pitoresco: ele - Betão, um metro e noventa, Cento e dois quilos, ela
Suely
, um metro e quarenta e oito, cinqüenta quilos.
Moradores do Morro do Salgueiro e muito queridos por todos, o casal era um exemplo de felicidade e união.
Betão, urn verdadeiro urso pardo, possuía um corpo respeitável. Tipo gordo socado, esticado, peludo (tinha
tanto cabelo no peito, que alguns pensavam que ele usava um suéter de lã), força descomunal e patas (digo mãos) enormes.
Para se ter una idéia melhor do potencial que Betão tinha nas mãos, era só vê-lo nos desfiles da sua escola de
samba, onde era destaque num grupo de cinco rapazes que faziam evoluções com pandeiros
, rodando-os no dedo,
jogando
-os para o alto, etc. Pois bem, Betão fazia tudo isso com um bumbo.
Seu temperamento era difícil de se compreender, pois, num mesmo instante, Betão era uma criança grande,
alegre e brincalhona, mas se pisassem seus calos, nem três HULKS juntos o seguravam.
O ciúme por Suely era, sem sombra de dúvidas, o seu ponto negativo. Por causa dela, Betão fazia inimigos, perdia amigos e quando extravasava sua ignorância, os prejuízos eram grandes. 

Certa ocasião, estava sentado em um bar com Suely, vestida com uma destas sainhas curtinhas, que levou o
casal a uma discussão de duas horas:
- Tu não vai botar essa indecência, gritou Betão.
- Vou sim, é moda, repeliu Suely. Afinal de contas, tu se garante, ou não?
Betão cedeu, mas não concedeu.
Foram
, então, para o bar. Ela bebia, ria, falava com todos, mas não se levantava; Betão, cara emburrada, des-
confiado até de olhar de padre, segurava-a pelo braço.
Em certo momento, a moça falou-lhe ao ouvido, levantou-se e foi ao banheiro.
Betão vasculhava todos os cantos com seu olhar penetrante como faróis de aeroporto.
No instante em que Suely voltava, Dondinho, mestre-s ala e amigo dos tempos de pipa de Betão, entrou no
bar sedento por urna cervejinha gelada, e exclamou:
- Uma mini-saia bem gostosa!
Dondinho não teve tempo nem para sorrir; Betão desferiu-lhe um soco na boca com tamanha violência, que urna das pás do ventilador do teto quebrou com o impacto de um dos molares do mestre- sala.
Suely, envergonhada, saiu chorando com cara de telenovela. Voltou ao barraco, arrumou suas coisas na mala e
ameaçou voltar para a casa da mãe, em Vila Kennedy.
Nosso amigo urso ficou desfigurado, não podia perder aquela mulher que tanto amava. A cena, presenciada
por mais de cem pessoas, foi chocante:
Betão ajoelhado, agarrado aos tornozelos de Suely, implorava o seu perdão.
A platéia aplaudia entusiasmada ao ver o "Golias" submisso a "David".
A força do amor derrubou o Betão, quando a Suely disse-lhe que não poderia ficar nervosa, pois estava grávida.
Betão chorou, sorriu, deu cambalhotas, pegou seu trinta-e-oito, deu vários tiros para o ar, enfun, a idéia de
ser pai tomou conta de todas as células (que eram muitas) do corpo daquele "homão",
Betão virou um cordeiro. Aquelas mãos enormes, agora, varriam o barraco, lavavam roupas, decoravam o quar-
tinho cor-de-rosa do neném ... 

Os inimigos o provocavam, mas agora, Betão não revidava, abaixava a cabeça e saía de fininho.
Seu. gênio estava curado, pensou até em ser pastor e construir uma igrejinha no morro.
Mudou de emprego (era estivador) e foi trabalhar na Telerj. Pediram-lhe vários exames e, num deles, surgiu a desgraça de sua nova vida: o médico constatou que Betão era estéril.
- Não pode ser seu doutô, minha mulher vai ter um filho!
- Tudo bem, Sr. Roberto, ela não é estéril- disse o doutor.
- Quer dizer que, então ... , mas como?
Betão "arrancou" a porta do consultório e saiu.
O Urso voltou ao Salgueiro. 

Quem passar hoje pela Praça SaensPeña verá, junto à obra do Metrô, um barraco de janelas azuis e um ,quar·
tinho cor-de-rosa, e todos da redondeza contarão:
- Dizem, acho que é lenda, que viveu naquele morro um urso pardo, com chifres enormes, que num mo-
mento de ira deu um pontapé no seu barraco com tanta força que veio cair aqui.
Deve ser, realmente, uma lenda, vocês não acham? 

Nelson Portugal
@Nerdanderthal

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